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quinta-feira, 12 de maio de 2016

A MULHER QUE NÃO QUIS SER PRESIDENTE




“Minha pátria é minha língua” disse Fernando Pessoa, poeta que sabia usar a língua portuguesa como ninguém.

Para formar seu patrimônio cultural e linguístico, cada idioma vai transformando palavras de diferentes raízes dentro de uma lógica gramatical e semântica própria.

Ao dar uma chinelada em uma carocha portuguesa, numa “cucaracha” espanhola ou numa “cockroach” inglesa estamos dando destino a um mesmo bicho, a nossa popular barata brasileira.

O vocábulo foi migrando e se adaptando à maneira de cada povo falar: os espanhóis preferiram derivar do grego “kokkiuks” que no latim virou “cucus” e no idioma de Castela tornou-se “cuco (ou “cuca”) acrescido do sufixo depreciativo “ucha”, criando assim uma palavra que foi depois apropriada e modificada por ingleses e portugueses.

Mas tanto espanhóis como portugueses e brasileiros conhecem a palavra “barata”, derivada do latim “blatta”, para identificar aquele bichinho nojento e transmissor de doenças, pertencente à ordem Blattodea e à subordem Blattaria.

Em espanhol, o leite é feminino (la leche) enquanto que a água é masculina (el água), assim como em francês o mar é feminino (la mer). Em inglês, o artigo ”the” não tem gênero, por isso nem mar, nem leite, nem água estão sujeitos a essa questão, pois naquele idioma é impensável atribuir gênero às coisas que são, por natureza, todas neutras.

Em português as palavras terminadas em “nte” indicam um agente, algo ou alguém que está em uma ação ou um processo, sendo, portanto, comum aos dois gêneros. Não se imagina que uma palavra seja “agenta” de alguma coisa, mesmo que a língua possibilite essa opção.

Dirigente é quem dirige, estudante é quem estuda, residente é quem reside, presidente é quem preside.

Presidenta, terminada em “a” não é novidade, está registrada desde 1899 no dicionário de Cândido de Figueiredo, significando a mulher de um presidente ou uma mulher que preside algo. Mas, no mínimo, é um arcaísmo, assim como cáspite e homessa, expressões que meu corretor ortográfico nem reconhece mais!

No Brasil do século 21, no entanto, ela entrou em uso como parte indireta do “Bolivarianismo”, uma manobra de propaganda política criada pelo coronel venezuelano Hugo Chavez e que usa a figura de Simon Bolívar para impingir aos povos latino-americanos regimes ditos de esquerda, mas que, no mínimo, deixam sérias dúvidas quanto às suas reais intenções e ligações.

Basta ver os seus próceres Nestor e Cristina Kirchner, Evo Morales, o próprio Hugo Chávez e seu sucessor, Nicolás Maduro.

Ora, se Cristina era “presidenta” por que então a primeira mulher a presidir o Brasil não poderia ser chamada também por essa denominação, tornando-se parte desse bolivarianismo sul-americano?

Curiosamente não se optou por incorporar também a tradução do hispânico “Jefa de Estado”, fazendo com que a primeira-mandatária brasileira passasse a ser a Chefa de Estado, mesmo que “chefa” também conste no dicionário português. E seja tão dolorosa nos ouvidos quanto presidenta, mas gosto não se discute, se lamenta e cada um tem o seu.

Nos últimos anos, no entanto, a palavra passou a designar opções ideológicas divergentes: quem apoiava o governo falava “a presidenta” e quem não apoiava dizia “a presidente”.

Desde seu primeiro dia no poder a suprema mandatária da nação determinou com toda arrogância e prepotência que não seria presidente e que a palavra terminada em “a” seria uma imposição oficial obrigatória, deixando antever sua dificuldade em conviver com os contrários e o seu processo de confronto com os outros setores políticos do país.

Marcar assim sua diferença e não buscar suas semelhanças foi um erro aparentemente simples e banal, mas que, a meu ver, trouxe em si uma conotação de distanciamento e separação, transformando a nação num país de “nós e eles”, ou pior: de “nós contra eles”.

Dilma Vana Rousseff ao insistir em ser “presidenta”, negou sua disposição em ser mais uma das pessoas que ocuparam o importante cargo de presidente do Brasil, parecendo querer mostrar que era única e que estava acima de todas as regras, inclusive as gramaticais.

Como presidenta, parecia desejar criar uma nova linhagem de sucessão, uma nova etapa que, como costumava dizer seu antecessor, nunca antes havia acontecido na História deste país.

A ignorância da História e das regras gramaticais não é pecado nem culpa. Insistir em se manter ignorante de um processo histórico ou de uma tradição cultural e linguística é, no mínimo, uma falta de visão.

Porém, pelo placar da aprovação de admissibilidade do processo de Impeachment no Senado, será muito difícil que a presidente afastada consiga retomar seu cargo.


Mas, afinal, a presidenta nunca aceitou ser presidente, não é mesmo?

Um comentário:

  1. Que bom esse texto, mostra que nessa "pequena" intolerância, dava partida para outras bem tão pequenas que nos levou a esse momento tão triste da história, mas se pensarmos em aprendizado, valeu Lailson,

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