Uma antiga piada conta que um anarquista espanhol escapa de
um naufrágio e consegue nadar até à praia, onde desmaia. Mal retoma os sentidos
e já pergunta: “¿Hay Gobierno”? Ao responderem que sim, ele retruca: “¡Soy
contra”!
A piada reflete muito do que se espera de um cartunista: que seja contra toda e qualquer forma de governo.
Para mim, no entanto, existe uma ligeira diferença. Não sou contra, sou crítico.
Quando comecei a publicar eu tinha dezessete anos e fazia
minhas charges no quinzenário “The Pine Cone”, jornal editado pela classe de
jornalismo da Pine Bluff High School, no estado do Arkansas, onde eu cursava o
secundário.
É claro que as charges me criaram problemas com a
administração da escola, mas desde aquela época eu compreendi o poder da imagem
crítica como elemento de conscientização e formação de opinião.
No Brasil havia a ditadura militar, mas também havia O
Pasquim, um jornal onde vários dos meus ídolos da imprensa travavam uma luta da
inteligência contra o mau humor dos generais.
Ziraldo, Jaguar, Henfil, Millôr
Fernandes e ainda Luís Carlos Maciel, Newton Carlos, Ivan Lessa, Paulo Francis
e muitos outros, faziam parte da resistência contra o
cerceamento da liberdade de expressão.
Em 1975 eu cheguei à conclusão de que usar o desenho como
arma nessa luta era absolutamente necessário e comecei a publicar no Jornal da
Cidade, um semanário que fez história na imprensa de Pernambuco. Depois, Paulo
Santos, Bione, Ral e eu fundamos a página humorística “O Papa-Figo” no Jornal
da Semana e íamos até onde podíamos na sátira aos costumes.
Não dava ainda para falar abertamente sobre política, mas em
1977, no IV salão Internacional de Humor de Piracicaba, São Paulo, fui premiado
com um cartum onde, dos três macaquinhos, o que devia ficar calado abria a boca
e era levado pelos agentes do DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social).
Daí comecei a publicar uma charge diária que durou 27 anos,
até que mudanças editoriais no jornal onde as publicava e mudanças políticas no país me retiraram
desse espaço. Hoje uso o espaço cibernético para continuar a fazer o que sempre
fiz: exercer a crítica satírica e bem-humorada sobre os (des) governos
brasileiros.
Os generais Geisel e Figueiredo,os presidentes Tancredo Neves, José Sarney, Fernando
Collor, Fernando Henrique Cardoso e Lula frequentaram diariamente a minha charge na imprensa. Fui crítico a todos em tudo o que,
na minha opinião, fizeram de errado.
Atualmente, Dilma Rousseff, Eduardo Cunha, Michel Temer, Renan Calheiros e outros mais são os frequentadores da vez.
Elogiar o que fizeram de bom eu sempre deixei para as suas
assessorias de imprensa, pois são pagas para isso e humor a favor de governo ou do poder é uma coisa muito sem
graça.
Uma das coisas que muito me gratificaram nesses anos foi
saber que tinha entre meus leitores diários o Governador Miguel Arraes e sua
esposa, Dona Magdalena, que desde o exílio na Argélia recebiam as minhas
charges e continuaram com o hábito de vê-las pela manhã depois que retornaram
ao Brasil.
Muitas vezes concordei e muitas vezes discordei das atitudes políticas do Governador Arraes, mas, até onde sei, ele nunca deixou de estar entre meus leitores constantes, pois sabia da importância da liberdade de expressão e de crítica para a construção do processo democrático
Considero que as pessoas que se arvoram a dirigir os destinos
do país (seja no nível municipal, estadual ou federal) compreendem que estão sujeitas
à crítica e à sátira e devem ter a consciência de que isso serve como um farol no
nevoeiro para saberem se o mar está calmo, tranquilo e favorável ou se as ondas
estão revoltas.
Se o Impeachment da presidente Dilma será ou não aprovado
pelo Senado, se Michel Temer assumirá ou se surgirão outras situações durante o processo, eu não sei. Sei apenas que continuarei, como todos, a acompanhar essa novela, fazendo meus comentários gráficos,
registrando o que aconteceu e opinando sobre os fatos de uma maneira que a
gente possa rir e refletir sobre as contradições da nossa política.
Existe governo? Sou crítico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Caros amigos e amigas: sintam-se a vontade para comentar. Abraços!